O botão gira, um estalido familiar acalma o coração da senhora de cabelos alvos, sentada junto a janela. Ela comtempla o horizonte, sente o cheiro de jasmim vindo do jardim logo a frente. Balança a cabeça feliz ao som da música que toca no radinho a pilhas sintonizado na sua rádio, companheira de tantos anos. O locutor começa a falar, fica ouvindo atenta, e assim se deixa envolver.
Flores enfeitam seus cabelos de neve, está tão linda em seu vestido azul celeste, disseram que até parece uma rainha. O rosto suave, marcado por sulcos desenhados pelo tempo expressa uma alegria sem igual.
Uma foto em preto e branco repousa em seu colo, ela olha com carinho, lágrimas suaves descem pela fase mimosa, uma saudade imensa invade o peito, saudade de seus queridos pais. Tantas lembranças lhe vem à mente. Mais uma vez leva os dedos no botão do radinho verde e dá volume, a música invade aquela casinha em meio às flores.
Seu corpo balança com graça ao ritmo da canção. A lembrança de seus pais dançando na sombra do cinamomo veio nítida. O radinho ficava preso na cerca, e ela e os quatro irmãos brincavam comendo rapadurinhas de leite. Os anos foram passando e esse ritual seguiu sem tempo, sem presa. Os irmãos foram crescendo, vieram os filhos e todos os meses havia um encontro para dançar e brincar ao som do radinho verde, ao som da rádio de seu coração.
Um suspiro profundo, com mais uma foto apertada contra o peito, olhos fechados e lá estava ela de noiva, linda, e o noivo, que mais parecia um príncipe, Lá estavam eles já casados, uma festa especial, um encontro de famílias, e aquele som alto, o mais alto que o radinho verde poderia alcançar. E dançaram e foram felizes mais uma vez naquela sintonia de vida.
E aquele dia? O coração bateu forte diante da lembrança, quando o locutor de voz empostada anunciou “LAR EM FESTA”, e o nome de sua primeira filha foi anunciado, que felicidade! E veio o segundo, a terceira e eles cresceram. E foi naquele mesmo radinho verde que ela ouviu a caçula dando entrevista sobre arquitetura. Naquele dia chorou de emoção e riu da filha falar que seu nome era inspirado nos jasmins da mamãe.
O canto do Bem-te-vi despertou seus pensamentos, o cheirinho doce da geleia de figo começou a se espalhar pelo ar. Amava essa sobremesa e hoje, no dia de seu aniversário de 74 anos, não poderia faltar.
Vozes alegres começaram a ecoar de todos os lados. Ela então levantou pegou o radinho pendurou na cerca como sempre fazia, deu volume, e foi ao encontro dos filhos, netos, amigos que foram tomando conta daquele espaço encantador.
A brisa suave embalava aquelas pessoas, que dançavam ao som de um radinho verde. A voz alegre do locutor ecoava: HOJE A RÁDIO SANTIAGO ESTA COMEMORANDO 74 AOS, E VOCÊ FAZ PARTE DESSA HISTÓRIA.
A senhora de alvos cabelos sorriu cúmplice, olhou para o horizonte, fechou os olhos, uniu as mãos em uma prece silenciosa! “Mais um ano, minha querida Rádio Santiago, que essa caminhada seja sempre abençoada”!
Texto: Ieda Beltrão
Interpretação: Paulo Pinheiro
